O Ponto e o Círculo: Onde o Infinito Encontra o Eu?

Por: A Porta do Invisível

A Chave

Observe-o. É o mais simples e, talvez, o mais profundo de todos os símbolos. Um ponto. E um círculo que o abraça. Nada mais. Não há ornamentos, não há complexidade aparente. No entanto, neste desenho primordial, reside o mapa completo do cosmos e da alma. É a primeira assinatura de Deus, o diagrama do Ser, a semente de toda a existência contida dentro do ventre do infinito.

O ponto é a origem. O “Um” do qual tudo emerge. É a centelha, a consciência antes de se saber consciente. O círculo é o seu desdobramento, o universo manifesto, o campo de toda a experiência possível. O ponto é o potencial; o círculo, a realidade. O ponto é o silêncio; o círculo, a sinfonia que nasce dele. Estamos suspensos entre esses dois mistérios: um centro que nos define e uma circunferência que nos contém. Hoje, vamos mergulhar no coração deste símbolo, para talvez encontrar o nosso próprio.

O Caminho

Desde que a mente humana começou a buscar a ordem no caos, o ponto dentro do círculo tem sido uma constante. Para os pitagóricos, ele era a Mônada, a unidade primordial, a fonte de todos os números e de toda a geometria. A Mônada é o ponto, o Ser indivisível. A partir dela, por emanação, surge o mundo manifesto, o círculo do cosmos. Para eles, contemplar este símbolo era contemplar a própria face da Criação.

Na tradição hermética e alquímica, este glifo assume uma identidade dourada: é o símbolo do Sol e do Ouro. Não o ouro vulgar, que apenas compra coisas, mas o Ouro Filosófico, o estado de consciência iluminada. O círculo representa a alma do alquimista, seu laboratório interior. O ponto central é a “scintilla”, a centelha divina, a semente de ouro que existe em estado latente dentro de cada ser. Todo o Opus Magnum, a Grande Obra alquímica, é o processo de remover as impurezas (o chumbo da ignorância e do ego) para permitir que este ponto dourado interior se expanda e ilumine todo o círculo da personalidade. É a realização do Sol interior.

Carl Jung, o grande cartógrafo da alma moderna, viu neste símbolo a representação perfeita do Self, o arquétipo da totalidade. Para Jung, o círculo é a psique em sua totalidade, abrangendo tanto o consciente quanto o vasto e misterioso inconsciente. O ponto no centro é o Self, o núcleo ordenador, o “Deus dentro de nós”. Não é o ego, aquela pequena ilha de consciência com a qual nos identificamos no dia a dia. O ego, na melhor das hipóteses, orbita o Self. A jornada de individuação, o processo de se tornar inteiro, é a jornada de alinhar o ego com o Self, de fazer com que a nossa vida consciente gire em torno deste centro verdadeiro e não de desejos passageiros. As mandalas, que surgem espontaneamente em sonhos e na arte, são variações deste símbolo, tentativas da psique de se autorregular e se reconectar com seu próprio centro.

Nas tradições orientais, encontramos o conceito de Bindu, o ponto metafísico a partir do qual a criação se origina e para o qual tudo retorna. O Bindu é a fonte de toda a energia, o portal entre o imanifesto e o manifesto. O círculo ao redor é o desdobramento dessa energia no tempo e no espaço. A prática da meditação, em muitas escolas, é um esforço consciente para retirar a atenção da periferia caótica da vida (a circunferência) e trazê-la de volta a este ponto de silêncio e poder interior.

A Travessia

Vivemos em um mundo que nos puxa constantemente para a circunferência. Somos definidos por nossas posses, nossos papéis sociais, nossas interações, nossas preocupações. A mente salta de um ponto a outro na borda do nosso círculo, em um movimento incessante e exaustivo. Perdemos o contato com o centro. E quando perdemos o centro, perdemos o equilíbrio, o propósito, a paz. Sentimo-nos fragmentados, dispersos, como se fôssemos apenas a soma de nossas partes, sem um núcleo que nos unifique.

O que este símbolo ancestral nos sussurra é que a jornada mais importante não é para fora, mas para dentro. Não se trata de expandir o círculo, de ter mais, fazer mais, ser mais. Trata-se de retornar ao ponto. De encontrar, no meio do furacão da vida, aquele lugar de quietude absoluta que é a nossa verdadeira essência. Este centro não é algo a ser construído; ele já existe. Sempre esteve lá. É o observador silencioso por trás dos nossos pensamentos, a presença calma por trás das nossas emoções.

Encontrar o ponto é um ato de lembrança. É silenciar o ruído exterior para poder ouvir a música interior. É descobrir que, não importa quão tempestuoso o mar na superfície, as profundezas do oceano estão sempre em paz. O ponto dentro do círculo é a promessa de que cada um de nós é um universo completo, com uma estrela central, um Sol interior, esperando para ser redescoberto. A verdadeira sabedoria não é conhecer o mundo, mas conhecer o centro a partir do qual todo o nosso mundo é criado.

Pois o centro de tudo, no fim, está no centro de si mesmo.

Pergunta Final:

Em meio ao ruído da sua vida, como você tem cultivado o silêncio necessário para encontrar e ouvir o seu próprio centro?


Bibliografia

•Jung, C.G. – Mysterium Coniunctionis

•Cirlot, J.E. – Dicionário de Símbolos

•Guénon, René – O Simbolismo da Cruz

•Eliade, Mircea – Imagens e Símbolos: Ensaio sobre o Simbolismo Mágico-Religioso

•Schneider, Michael S. – A Beginner’s Guide to Constructing the Universe: The Mathematical Archetypes of Nature, Art, and Science


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