
O Chamado das Sombras
O que resta de um império? O que sobrevive a um rei que se autoproclamou “Rei dos Reis”? Se você caminhasse por um deserto infinito e encontrasse os destroços de uma estátua colossal, o que ouviria no silêncio? O eco do poder ou o sussurro do esquecimento? Em apenas quatorze linhas, Percy Bysshe Shelley nos convida a uma jornada ao coração da impermanência com seu soneto devastador, “Ozymandias”.
A Dança na Parede
As sombras que Shelley projeta na parede de nossa caverna não vêm de uma longa narrativa, mas de um único e poderoso fragmento. Um viajante conta ao poeta sobre uma cena que viu em uma “terra antiga”: duas pernas de pedra, vastas e sem tronco, se erguem no deserto. Perto delas, um rosto quebrado, meio afundado na areia, com uma carranca e um “sorriso de frio comando”. No pedestal, uma inscrição arrogante sobrevive:
“Meu nome é Ozymandias, Rei dos Reis; Contemplai minhas Obras, ó Poderosos, e desesperai!”
E então, o golpe final, a frase que ecoa através dos séculos: “Nada mais resta”. Ao redor daquele “colossal destroço”, apenas as areias solitárias e niveladas se estendem, nuas e ilimitadas, até onde a vista alcança.
O Despertar do Prisioneiro

O despertar aqui é uma epifania silenciosa e terrível. O “Ponto de Virada” não é um evento, mas a justaposição brutal entre a palavra e a realidade. A arrogância do comando — “Contemplai e desesperai!” — é respondida pelo silêncio absoluto do deserto. O desespero que o viajante (e nós) sentimos não é de admiração pelo poder de Ozymandias, mas de pavor diante da força aniquiladora do tempo.
A Forma Pura que o poema ilumina é a da Imperanência como a Única Verdade Absoluta. Ozymandias, em sua vaidade, acreditava que seu poder era eterno e que suas obras o imortalizariam. Ele construiu um monumento para durar para sempre, mas o tempo, com sua paciência infinita, desfez tudo. O que sobrevive não é o império, não são as obras, não é o poder. O que sobrevive é a arte — a habilidade do escultor que tão bem capturou a essência da tirania em pedra — e a própria areia, símbolo da eternidade que tudo consome.
E o reflexo em nós? Ozymandias não é apenas um faraó egípcio. Ele é cada império que já se ergueu e caiu. Ele é cada CEO, cada político, cada celebridade que acredita que seu legado é indestrutível. Ele é o reflexo de nossa própria luta contra a finitude. Nós construímos nossos pequenos reinos — nossas carreiras, nossas reputações, nossas posses — e gravamos nossos nomes neles, esperando que durem. Mas o poema nos força a perguntar: o que restará de tudo isso? Quando as areias do tempo soprarem sobre nossas vidas, o que sobreviverá? A arrogância de nossas inscrições ou a verdade silenciosa do deserto?
A Luz Ofuscante
A luz que ofusca neste poema não é a do sol do deserto, mas a da ironia cortante. A maior obra de Ozymandias não são suas cidades ou exércitos, mas a lição que sua ruína nos ensina. Ele nos manda desesperar diante de seu poder, mas nós desesperamos diante da falta dele. Ele se torna um monumento, não à sua grandeza, mas à sua insignificância.
E há uma segunda camada de luz, ainda mais sutil: a arte sobreviveu ao tirano. O escultor, um servo anônimo, teve a última palavra. Ele imortalizou não a glória do rei, mas sua crueldade, seu “sorriso de frio comando”. A arte, aqui, não serve ao poder; ela o desmascara. Ela revela a verdade por trás da propaganda. O poder de Ozymandias se foi, mas a verdade sobre seu caráter, capturada pela mão de um artista, permanece para sempre.

O Retorno à Caverna
Leia “Ozymandias”. Leia-o em voz alta. Sinta o ritmo das palavras e o peso do silêncio que se segue. Este pequeno soneto é um portal para a vastidão do tempo. Ele nos ensina mais sobre poder, arte e a condição humana do que muitos tratados de filosofia.
Ao retornar à sua vida, olhe para os “reis” do nosso tempo. Olhe para os monumentos que construímos para nós mesmos. E pergunte-se: o que estamos gravando em nossos pedestais? E o que o deserto silencioso do futuro dirá sobre nós?
Pois no final, talvez a única coisa que realmente importa não seja o tamanho de nossas estátuas, mas a verdade que elas contam quando não há mais ninguém para ouvir.
“Porque cada página virada é um passo para fora da caverna.”
— Academia de Platão
O Poema Completo
Ozymandias
Percy Bysshe Shelley (1817)
Encontrei um viajante de uma terra antiga,
Que disse: “Duas vastas pernas de pedra sem tronco
Erguem-se no deserto… Perto delas, na areia,
Meio afundado, jaz um rosto despedaçado, cuja carranca,
E lábio enrugado, e sorriso de frio comando,
Dizem que seu escultor bem leu aquelas paixões
Que ainda sobrevivem, gravadas nessas coisas sem vida,
A mão que as zombou, e o coração que as alimentou;
E no pedestal, estas palavras aparecem:
‘Meu nome é Ozymandias, Rei dos Reis;
Contemplai minhas Obras, ó Poderosos, e desesperai!’
Nada mais resta. Ao redor da decadência
Daquele colossal Destroço, nuas e ilimitadas,
As areias solitárias e niveladas se estendem ao longe.”
Bibliografia Consultada
•SHELLEY, Percy Bysshe. The Complete Poetry of Percy Bysshe Shelley. Edited by Donald H. Reiman and Neil Fraistat. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2012.
•”Ozymandias Summary & Analysis”. LitCharts LLC, 2024. Disponível em: https://www.litcharts.com/poetry/percy-bysshe-shelley/ozymandias
•SparkNotes Editors. “Ozymandias Themes”. SparkNotes LLC, 2024. Disponível em: https://www.sparknotes.com/poetry/ozymandias/themes/
•”Ozymandias Poema de Percy Shelley Análise e Explicação”. Blog dos Poetas, 2025. Disponível em: https://blogdospoetas.com.br/ozymandias-poema-de-percy-shelley-analise-e-explicacao/
•BLOOM, Harold. The Visionary Company: A Reading of English Romantic Poetry. Ithaca: Cornell University Press, 1971.
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